quarta-feira, 27 de junho de 2007

Uma conversa com Gerardo Burmester em 21.06.2007

Claudia Cudell: Depois de cinco anos sem expores nenhuma obra, fizeste este díptico expositivo, citando as palavras de Miguel von Hafe Pérez: O Frio aumenta com a Claridade e o Império do Aborrecimento. 2ª Parte. Denota-se nesta exposição um amadurecer do acumular memórias destes teus últimos 5 anos, bem como o contraste, sempre presente nas tuas obras, de conforto/desconforto e de proximidade/distanciamento. Estas sensações opostas são como um fio condutor na tua obra. Concordas comigo?

Gerardo Burmester: Sim, concordo, apesar de que o acumular de memórias está muito mais presente na instalação, do que propriamente na exposição. Na instalação assumo esse processo todo, é como se fosse a minha casa metida dentro de um armário, como aliás já te falei uma vez. Quanto aos outros trabalhos, O Frio aumenta com a Claridade trata-se da objectualização da pintura, com um lado bastante frio. Admito que haja referências a trabalhos anteriores, o lado frio, o da autoria, um certo distanciamento até pela própria frieza, mas ao utilizar materiais bastante diferentes do que o que utilizei noutros tempos, abre um caminho para um novo processo, há pistas para um novo trabalho.

CC:
Falas-te na autoria – as tuas obras sempre demonstraram um pouco esse por em causa um dos paradigmas da modernidade, nomeadamente esse da autoria, isto é, muitas das obras são executadas pelo marceneiro ou pelo estofador, e neste caso, os acrílicos também são feitos por outra pessoa.

GB: Nem todos os meus trabalhos são feitos assim, mas os que são, têm a minha expressividade com o gesto, com a cor... mas não faço disso nenhuma ideologia.

CC: O Fernando convidou-te para fazeres uma exposição na Galeria Fernando Santos, e foi condição sine qua non fazer simultaneamente a instalação na Oficina? Duas expressões plásticas aparentemente opostas, uma formal e outra conceptual; diria quase que uma é a forma e a outra o conteúdo...

GB: Não, não foi condição sine qua non. O Fernando propôs me também fazer a instalação. Não, não vejo isso tanto assim. No O Império do Aborrecimento denota-se mais o meu lado expressivo, há um certo sentido de autoria, de auto-retrato, como referi há bocado, é a minha casa empacotada. Portanto é mais visível todo esse processo do interior, das angústias... Na Claridade aumenta com o Frio dá-se precisamente o contrário, alias uma das críticas referiu que eu fui excessivamente formalista. Eu não vejo isso assim. Eu quis utilizar a pintura como objecto, que é uma atitude conceptual. A minha ideia da objectualização da pintura foi a de utilizar as cores, isto é, os materiais com diversas cores fluorescentes e os cortes, que resultaram numa sobreposição de cores, transformadas em objectos. O me fascinou neste processo é lado muito frio, aparentemente muito frio. Digamos que é o desencanto novamente. A minha aproximação à pintura é por um processo desencantado, porque nem sequer é expressiva. Eu não pintei, não utilizei um pincel...É só por esse sentido que vejo que uma é mais formal. As pistas que recebi desta exposição para novos caminhos vieram dos acrílicos...A instalação é muito evidente.

CC: Sem dúvida. Para quem conhece a tua obra, percebe, ao entrar no O Império do Aborrecimento. 2ª Parte., que ali está a 2ª Parte, pois a 1ª foi em 1981, na então denominada Galeria Roma e Pavia, onde expuseste uma série de imagens de partes do teu corpo. Desta vez o auto-retrato é mais evidente, como tu próprio referis-te, um O Meu Lugar diferente?

GB: A ideia é esse mesmo. É o meu retrato, é o meu quarto. E as pessoas perceberam isso, pois é bastante evidente, quase um exagero. Na 1ª Parte expus polaróides de partes do meu corpo, nesta exponho objectos que utilizo diariamente, tais como dvd´s, livros, malas que tenho, garrafas de Whisky... É um espelho meu. Digamos que expor um armário com coisas pessoais lá dentro, evidencia o auto-retrato. Digamos que é o exagero, potencializado ao máximo essa situação, mais do que as polaróides. Como o Miguel escreveu muito bem, o Apolo e o Dionísio, o contraste assumido.

CC:
Há marcas visíveis da tua identidade em toda a tua obra, mas nesta é muito acentuada.
Estás de costas, como o armário, onde o conteúdo não é visível? Estás de portas fechadas? Desencantaste-te com a vida? Com o meio artístico?
Numa entrevista em Junho do ano passado, tinhas me dito que o armário não ia ter portas abertas provavelmente, ou nem ia ter portas....


GB: Ás vezes o espectador quer forçosamente contextualizar momentos, que não são contextualizáveis.
Sim ... Lembro-me de ter falado contigo, quando estava a preparar esta exposição, e a ideia não era ter um armário, mas vários. Aliás, cheguei a comprar doze armários, mas não eram aquele. Quando vi aquele armário, percebi imediatamente que a parte formal dos outros não ia funcionar tão bem como aquele. Aquele armário tem uma presença, uma dignidade, que os outros não têm. Mesmo assim cheguei a montar os outros, aos quais tirei as portas, para por os mesmos acrílicos nos fundos e dos lados, uma espécie de construção construtivista, de onde saiam placas acrílicas amarelas, vermelhas...Mas isso também não funcionou, por questões técnicas; os acrílicos com o tempo começavam a dobrar. Para responder à tua pergunta, uma porta até está fechada e a outra está entreaberta. Mas é uma interpretação...

CC: Há, na minha opinião, dois momentos na tua instalação. Um primeiro momento quando se entra e só se vê os jogos de luz, efeito das chapas iluminadas e depois aquele volume suspenso, que não apercebe logo o que é. Depois, há um segundo momento, que é o impacto arrebatador do visionar o conteúdo do armário. Era isso que pretendias?

GB: Sim é isso. Por um lado a barreira, por outro o efeito surpresa...

CC:
O teu auto-retrato...

CC: Miguel von Hafe Pérez no seu texto sobre a tua obra menciona dois tipos de realidades completamente distintas: a narrativa da abstracção geométrica e o aparente minimalismo. Esta tua abstracção geométrica faz nos pensar em Mondrian. O Miguel chama-lhe uma espécie de comentário virado ao avesso, que achas disso?

GB: É uma boa ideia. O geométrico faz a associação ao modernismo. Alguém me disse que esta exposição era um pouco Pop, o que não está errada de todo. Podia ser Pop, se as formas não fossem cortadas geometricamente; não o conteúdo da Pop, mas a parte formal da Pop, com as suas cores apelativas e os elementos primários. Para mim só a obra aberta é que faz sentido, aquela que Ecco refere. A obra fechada não tem sentido algum.

CC: A matéria sempre teve um grande importância no teu trabalho, mais uma vez nestas duas exposições também o contraste das matérias, o orgânico na instalação e o acrílico/plexiglass na exposição da galeria. Porque escolhes-te o acrílico, uma matéria que nunca tinhas utilizado, desta vez?

GB: Nem sei muito bem. Já tinha feito experiências com acrílicos opacos, que eu ia colar. Estes são fluorescentes e portanto requerem muito mais cuidados, porque têm de ser aparafusados. Essas experiências levaram-me a esta experiência de sobrepô-los e criar estes efeitos de luz. Todos os fundos destes trabalhos são em acrílico branco, para dar um melhor e mais puro efeito às cores sobrepostas a seguir. O acrílico final, aquele que está a proteger o trabalho, parece um vidro, mas é também um acrílico colorido, que faz parte da obra. Este não toca nas outras chapas, tem uma distância para dar profundidade ao trabalho.
Gosto desse lado “Pop” e não modernista do plexiglass. Depois com o corte é que se vê a fluorescência do material. Nem todas as placas são fluorescentes.

CC: O que significa o título O Frio aumenta com a Claridade? O frio é o frio dessa matéria?

GB:Essa frase é tirada de um texto de Tomas Bernhard, um niilista austríaco, que deu muitas conferências sobre politica.
O título tem a ver com a racionalidade e com o frio dos acrílicos, claro. A ideia é que a frieza do racional facilita ver-se com mais claridade, com maior consciência. Ao mesmo tempo joga com a palavra frio, que tudo tem a ver com a exposição. A claridade também tem a ver com a claridade dos acrílicos.

CC: Sempre gostas-te de jogar com as palavras e os títulos, quer de exposições quer das obras. Davas títulos muito emotivos a obras secas e duras.

GB: Exactamente. Outras, não neste caso, exagerava de tal forma com o título que até desviava o tema daquilo que pretendia dizer, provocava nesse sentido.

CC: Como te sentes em relação à crítica em Portugal, um meio pequeno que não demonstra maturidade crítica, senão como se explicaria não ter havido uma recenssão critica em relação a esta tua exposição?

GB: Essa pergunta podes fazê-la à crítica.

2 comentários:

Anónimo disse...

Está muito fixe o blog, ainda bem que alguém se interessa por algo interessante e contemporâneo!

Anónimo disse...

Olá Cláudia,
Gostei muito da ideia do blog. Tendo em conta que se trata do Gerardo, mais ainda...
Foi, como lhe disse na altura, das exposições que mais "gozo" me deu...
Foi um desafio trabalhoso, mas que nos mereceu todo o empenho e dedicação...e por isso mesmo foi das que mais orgulhosa me deixou...
É que, aqui pra nós, que ninguém nos ouve...o Gerardo já merecia!!!
Beijinhos e vou manter-me atenta às novidades que por cá forem aparecendo...
Joana (Galeria Fernando Santos)