quarta-feira, 27 de junho de 2007

Análise crítica a “O Império do Aborrecimento. 2ª Parte”

Gerardo Burmester iniciou a sua carreira como performer, essencialmente, na década de 70, mais precisamente em 1976, no pós 25 de Abril. Juntamente com Albuquerque Mendes foi um dos percursores da performance em Portugal, fazendo performance também em França onde viveu em Paris durante um ano; um ano de vivência fundamental para a sua carreira artística. Do seu percurso destacam-se participações em mostras realizadas, em espaços, tais como o Museu Amadeo de Souza Cardoso em Amarante em 1990, o CCB em Lisboa em 1994 e a Fundação de Serralves no Porto em 1998.
Mais tarde desenvolve uma pintura de cariz figurativo, que questionava géneros como a natureza-morta e a paisagem, tendo fortes referências do pintor romântico Caspar David Friedrich. As suas naturezas-mortas são uma espécie de caricatura da função decorativa desse género de pintura. Essa ironia e provocação do artista denotam-se ao longo de toda a sua obra, perpetuando-se nos seus Objectos de Parede[1], nos seus Móveis sem Função[2] e nas instalações, que fazia simultaneamente nesta fase.
Com estes trabalhos faz questão de demonstrar que não é o escultor, nem o artesão destes objectos, que conjugam a especialidade do marceneiro e do estofador. Não há assinatura, não há decoração, há luxo e beleza.Na sua obra de grande densidade conceptual, Burmester evoca sempre o luxo e o esplendor das formas, suscitando no espectador, uma imediata sensação de conforto e uma aparente fácil interpretação da sua obra, mas, rapidamente o observador se apercebe que a obra não o permite ir mais além dos sentidos. Ela é impenetrável e ininteligível, a partir de determinado momento. O fruidor sente um desconforto e distanciamento; é este contraste, que é quase como um fio condutor nas suas instalações, também presente no Império do Aborrecimento. 2ª Parte, instalação realizada na Oficina da Galeria Fernando Santos, no Porto em Janeiro de 2007, durante a sua exposição O Frio Aumenta com a Claridade na mesma galeria, onde Burmester expõe chapas de acrílicos de várias cores, genialmente sobrepostas, criando efeitos de luz e de frieza.
Estas duas exposições de expressões plásticas opostas complementam-se, sendo um o prolongamento da outra.
Apesar de se considerar um pintor, é na instalação que Gerardo se expõe e se revê. Gerardo Burmester não só questiona as modalidades tradicionais da arte, mas também questiona o tempo, questionando assim o homem desse tempo e a interacção com a própria obra. Faz nos reflectir sobre conceitos, como o da reprodutibilidade de Walter Benjamin[3], que por principio a obra de arte sempre foi reprodutível, e se muitos artistas aderem a essa reprodução, outros existem, que se vinculam ao acto de criação na sua unicidade. Não ofertam a aura do exercício, pois à priori conhecem o seu desfecho. A reprodução, ou a era de reprodutibilidade, desloca do lugar de ocorrência único, uma multiplicidade de lugares.
A instalação tem, na nossa opinião, dois momentos; um primeiro momento quando se entra e apenas percepcionamos as chapas de alumínio coloridas iluminadas, que reflectem para as paredes degradadas, efeitos de luz. Depois vemos um armário suspenso, que como uma barreira, está de costas para nós.


Instalação O Império do Aborrecimento.2.ªParte
De Gerardo Burmester realizada na Oficina da Galeria Fernando
Santos, Porto. Janeiro de 2007. Fotografia de Claudia Cudell



Instalação O Império do Aborrecimento.2.ªParte
De Gerardo Burmester realizada na Oficina da Galeria
Fernando Santos, Porto. Janeiro de 2007.
Fotografia de Claudia Cudell

Por cima de um tapete em forma de círculo, feito de panos brancos embebidos em gesso e cola, que só per si já uma obra de arte, está suspenso um enorme e pesado volume; onde mais uma vez o artista contrapõe a dualidade: A do peso leve e por outra, a de suspender algo que é para estar bem assente no chão.
O segundo momento é um impacto arrebatador, o de visionar o conteúdo do mesmo. O panorama é belíssimo. O ambiente é de silêncio.
São o acumular de memórias dos últimos cinco anos do artista: duas grandes ânforas aludem a uma instalação passada, resmas de papel, livros, resquícios dos acrílicos da obra que está exposta na galeria, garrafas de Whisky, antigos trabalhos, CDs e DVDs são o conteúdo deste armário. Criteriosamente iluminados os vários compartimentos do armários, realçam umas partes mais coloridas e com tons de vermelho, à semelhança de outras instalações, dando um ar de comodidade incómoda. É um O Meu Lugar[4] um pouco diferente. O observador tem sensações contraditórias, pois se sente por um lado uma sensação agradável de calor transmitida pelo anel de chamas e pelos tons avermelhados do conteúdo do armário, ao mesmo tempo tem sensações de desconforto e frio, por não conseguir comunicar e abrir as portas do armário, que o artista deixou encostadas. O tema é o de incomunicabilidade.


Instalação O Império do Aborrecimento.2.ªParte
De Gerardo Burmester realizada na Oficina da Galeria
Fernando Santos, Porto. Janeiro de 2007.
Fotografia de Claudia Cudell

À semelhança de O meu Lugar de Gerardo Burmester esta obra tem marcas visíveis da sua identidade. Este artista sempre demonstrou em muitas obras indícios de uma identidade autobiográfica e uma enorme capacidade de manipular o observador.
Se por um lado existem artistas que fazem percursos completamente voltados e agressivamente direccionados para o mundo dos outros, no limite quase que organizam verdadeiras campanhas de marketing onde tudo é revelado, por outro também existem aqueles artistas que habitam o seu espaço, a sua identidade, jogando com situações não existenciais, construindo para si e com grandeza e consistência, o seu trabalho.
Esta situação não desqualifica, não está aquém do rigor estético, está envolta sim, num jogo de sedução que o artista faz de si para si e que dificilmente é descodificado.
Eventualmente e aquando da criação que surge de um modo espontâneo, traduz o seu modos vivendi, é o Leitmotiv, que faz parte do exercício de criação que apenas ao próprio pertence, visível ou não, mas que acrescenta ao seu trabalho o que ele é. Isto surge na grandiosa obra de Gerardo Burmester.


[1] Objectos, denominados Maria-Marias são aproximações a esculturas, na medida em que são tridimensionais, mas que para o artista continuam a ser pintura, pela maneira como este utiliza o material. Em madeira ou ferro, de formas quadrangulares, as peças são forradas a couro, ou deixado o material à vista. O acabamento dos materiais e perfeito e luxuoso e o material de excelente qualidade, reafirmam o rigor estético que questiona e provoca os valores da utilidade e da qualidade estética.
[2] Esculturas, por nós denominadas Móveis sem Função dado serem móveis impossíveis, Numa primeira análise parecem móveis comuns ao espectador, mas observados mais atentamente são falsos móveis com funcionalidades inexistentes.

[3] BENJAMIN, Walter – Sobre a Arte, Técnica e Política. Lisboa: Relógio de Água, 1992. p.75.
[4] Instalação realizada 1997 na Galeria Pedro Oliveira no Porto, onde o artistas expôs numa sala de passagem, o seu sofá gasto pelo tempo e pelo uso, forrado a veludo vermelho, dentro de uma caixa de madeira. Na parte de trás, uma escada, que convida o espectador a aceder ao sofá e calcar o seu lugar. Na parede mais de mil copos de vinho pendurados por um fio de nylon.

1 comentário:

Anónimo disse...

Q LOUCO!!! Tive imensa pena de nao ter podido ver ao vivo esta instalação! Ouvi falar imenso dela e quando finalmente consegui tar no Porto decidido a ver...ja tinha sido desmontada!! Q raiva!!
Por acaso faz-me 1pouco de confusao as instalações..gosto do conceito!M mts sao efemeras ou mm q n seja esse o intuito vao acabar p ser, e nem sp acho q se deviam perder!!
De qq maneira "O Imperio do Aborrecimento" tá louco!! Alias como td o q o Gerardo faz!!! Gosto mt do trab dele!

AP